quarta-feira, 2 de junho de 2010

À Deus

O que vocês todos podem esperar de mim? Eu que nasci para ser concreto? Eu que nasci gente por engano?
O que vocês todos desejam de mim? Eu que nasci vida? Eu que nunca pertenci a isso aqui?

O que é que vocês querem a final de contas?
O QUE É QUE TODOS VOCÊS QUEREM?

E eles respondem em uníssono:
Queremos que você seja feliz.

A felicidade inteira me foi roubada no dia que decidiram me dar a luz, que fizeram cesariana, que me chamaram de Luísa.

Toda utopia tem como princípio substituir deus.
Fugir do peso de existir por si só.
Mas fiquem sabendo, isso não tem fim.
Queria que houvesse um deus.
E se esse deus fosse perfeito, nunca haveria mundo.
Esse deus, que é o mesmo para todos os povos, que é idolatrado em todo o canto do planeta é um covarde. Eu grito mais alto. Covarde!
Que criou o incontrolável e sem poder encarar a própria criação, destrói.

Eis que vos fala a mutilada criatura, os pedaços arrancados a sangue frio, a sensibilidade estuprada, a queimadura à flor da pele cheia de furúnculos fétidos, a criança sem vida, sou eu quem vos fala!
Obra da sua mesquinharia
Eis eu! Produto vosso, impura, suja de todas as maneiras, apunhalada, prostrada, destruída.
E agora vos pergunto, estão todos felizes!?


Estou aqui, sou produto vosso!
Me olhem na cara, me fixem as pupilas dilatadas e me digam
O que querem de mim?

Vão jogar a quimera deformada à própria sorte.
Que criador é esse? Que criador é esse que se separa de sua criatura tão cruelmente?
Sem nem Ter-lhe cortado direito o cordão umbilical?
Esse, agora todo ralado, áspero, ardente e sujo de areia.

Tenha coragem deus! Tenha coragem e acabe comigo!
Não mereço nenhum tipo de perdão.

Beleza inomeável

Desejo ser adorável
Queria ser chamada de flor
Bonita, simples, sem grandes mistérios
Queria ser encantadora, ser chamada de luz
Poderia me encaixar no clichê, é fácil amar o clichê
Difícil mesmo é criar para o diferente
Todas elas podem ser cândidas e alvas de bochechas rubras, que sejam morenas dos olhos d’água
Tão bonitas como a flor, com olhos de céu, profundidade de mar

Não me deêm formas
Sou livre
Não sou rosa, nem leite, nem perfume, sou muito menos poema
Eu sou o abstrato
Me chamem de desconhecido
E poderei ser amada
Subi ao palanque descalçada.
Quero atenção! Para os que me ouvem, quero que saibam que sou gente.

Para quê preciso de sapatos?
O que eu vou fazer da vida?
O inevitável.

Copo Americano

Estou à beira de um surto psicótico.
Com uma cerveja me senti completa
Me senti recheada de repente
Quero alguma coisa inomeável. Se pudesse chamaria de vida.
Compreende?
Não creio.

Infância

São tristes minhas lembranças da infância
Suco de limão, correspondência de quintal.
O nome dela era Bianca, éramos separadas por uma rede, trocávamos bonecas pela corda de pular
Um dia, ela não apareceu e depois nem eu. Imaginava onde ela estaria, me disse um dia que queria viajar o mundo.
O porão era a nossa casa, uma floresta encantada, uma flor, ou uma grande xícara de chá.
Lembro dos dias de chuva e do túnel para andar de bicicleta. Lembro dos contos de fada e da tartaruga patrícia, e da cadelinha malhada que na minha imaginação era só minha.
Os brinquedos eram todos sorridentes e vivíamos como irmãos.
Eu também fui embora, nunca mais vi Bianca e cortaram aquela árvore tão bonita que fazia sombra no nosso quintal.
Balão, caixa de mágica, toalhas brancas penduradas no varal, colo, balanço, boneca de pano, cavalinho de pau.
Empinei pipa, fiquei de mãos dadas. Era amor. Brincávamos de pega pega e minhas bochechas ficavam rosadas. Trotar, subir no pé de manga, cair da taquara. Nem lembro dos seus rostos tão bonitos de criança. Se os encontrasse, penso que não os reconheceria.
Ganso, sapos, fogueira de são joão, café com leite, churrasco, roda velha de caminhão. Quanto amor eu tenho por aquela fazenda e lá, hoje em dia, grosseiramente sobre os sorrisos da minha infância, só existe plantação.
Da parati vinho amassada eu dei adeus ao curral, ao chão de terra, ao lampião, aos restos de fogueira, ao pé de jabuticaba, a pernambuco e ao meu primeiro amor.
Nunca mais voltei.

Pois é

Não sei o que me deu nessa vida
Que me pegou tão desprevenida,
E tão de surpresa me pegou, que me tirou o chão, me levantou os braços, me escorreram lágrimas
Não sei que história é essa de presente, que coisa louca é o presente
Tão louca que vivo me apegando ao passado e vivo como se fosse futuro
O agora não é mais do que uma triste lembrança e o já não existe nem se faz no momento exato,
Mas se exprime em fotografia preto e branco na memória.
A juventude me dói e me impressiona a cada instante.
Maldita seja a angústia da existência.

Amor inexistente II

Está chovendo por entre os becos, meu amor. Minha taça de vinho, encheu-se d’água e me lembrei de ti meu querido, teus olhos cálidos cheios de esperança. Te aguardo cheia de chuva e te quero bem.
Eu sai de casa, porque compreendi que não podia ficar ali. Respirar o mesmo ar que o meu pai torna tudo impossível.
Foi por isso que eu deixei tudo para trás, para começar de novo. O fato é que tudo vai mudar.
Durante todo o processo de conhecimento dessa notícia, não disse uma palavra, porque eu já sabia de tudo e porque eu sabia, desejei todos os dias, como uma demente religiosa, que nada disso acontecesse e que levassem em conta o meu ser humano. Porque o importante, meus caros colegas, não é apresentar carteirinha, nem bater continência, nem seguir horários, nem essas pequenas normas que tornam tudo tão burocrático, o importante é inventar sua teoria única de vida.
Mas ninguém, como eu bem esperava, leva certas coisas em consideração. Eu disse, são uns cretinos. Eu sou uma cretina, maldita seja a minha cretinisse, achar que isso é lugar pra mim. Ninguém levou em consideração, amigos, que eu não pertenço a esse mundo. Não acredito na minha existência, porque tudo, até mesmo os mínimos detalhes, os mais meticulosos de todos eles, parecem completamente planejados. E essa idéia já é tão natural que assisto as minhas ações de fora, como em um filme, no qual o cenário, o essencial do bom filme, é perfeitamente captado pelos meus olhos e transformado em irrealidade.
Eu sou louca, digo. A vida me escorre pelos dedos e a juventude, flor da idade, coisa belíssima, se esvai com o tempo e não sou tão jovem como eu era a dois anos atrás.
Não acredito no passar dos anos, como é que posso ficar mais velha?
Os anos não se repetem, a primeira palavra escrita, que por um momento foi presente e real, já não passa de uma lembrança triste. Todas as lembranças são tristes.
Andei pensando na felicidade, que absurda! A felicidade é triste minha gente. E o que faz uma menina de 18 anos, tão nova aos olhos do tempo, que descobriu, subitamente, que a felicidade não existe?
Tomei um banho, coloquei uma roupa apresentável, olhei as horas e não disse nada. As palavras agora já não se fazem necessárias, seria tudo desculpa, choradeira, exclamação. Meu rosto tem a expressão mais triste dessa terra, sou tão triste quanto um acidente de carro cheio de crianças. Eu sou a voz de desgosto da minha mãe. Sóbria, dolorida, rancorosa.
Eu só vejo os prédios e as rachaduras no chão.
Não sinto muito por mim, nem acho errado, nem vulgar, tão pouco estupidez da minha parte, porque tudo o que eu fiz, estritamente tudo que ocorreu foi espontâneo e bonito.
A verdade é, que eu não tenho turma, nem colegas, nem amigos, porque eu sou passageira. Eu não tenho absolutamente nada.
A minha insignificância arde. Eu que não tinha nada, perdi absolutamente tudo assim que me posicionei diante dos fatos.
Suco natural de uva. Os balões laranjas pairam sobre o ar. Porque é tudo tão bonito?

À Lá Barnabé

Um velho amigo só pra comemorar
Loucura total meu bem, loucura inspirada, aqui é tudo ponta cabeça meu bem
Você entende o que eu que eu quero dizer?
É tudo sobre coragem baby, me queira
E eu vou dançar
Vamos que agora é hora
É tudo, o mundo está girando
Ao som da gente as coisas mudam
Queria esquecer, como é possível?
Caminhões amarelos, todos eles em fila
Violência auditiva meu bem, assassinaram tudo
O mundo sangra nos meu ombros
Como pesa essa porra
Meu dedos sujos de terra, mas não, ninguém entende meu querido
Tem terra nas minhas unhas
Estou cavando a cova mais funda
Não vejo mais o céu, está chovendo lá em cima
O que eu faço meu bem?
A música está acabando
Queria estar embriagada para curtir o momento
Isso aqui se chama surto mundial e está em todo lugar
Mas ninguém enxerga e estão todos surdos
Se você pudesse ver
Não dá pra acreditar, está acontecendo agora mesmo
Vou espalhar o surto pela multidão
Mas estão todos surdos pra caralho, surdos pra caralho meu bem
E somos todos loucos, como é que pode?
Ouça as palavras, são incrivelmente bonitas, mas estão doendo em mim
Deixa eu regurgita-las e você verá, compreenderá tudo de uma vez
Engolirá como uma dose de cachaça barata
E ARDERÁ EM VOCÊ MEU BEM
Arderá muito e ninguém vai conseguir lidar com isso
Vai virar suicídio em massa
Loucura total
Estou aqui agoniada e as luzes são vermelhas
Cortei meu dedo no abacaxi
Supertropical não acha?
Queria as minhas pupilas dilatadas, só pra ver mais
Foda-se a consciência, o bom mesmo meu querido é a vida
Alteração, saca?
Arrepio
Vou sair com uma espingarda pra me encontrar
Isso sim é associação livre
Por aqui é tudo imagem
Eu quero a alucinação meu bem! EU QUERO A ALUCINAÇÃO!

A desconhecida

Quem é essa moça que me olha de um jeito estranho
E é como se não me conhecesse, mas acontece que eu sei esses olhos
Já tão tristes do perder da infância
E a face, já não é a mesma e já não percebem-se mais vestígios de criança
Ela não me é e nem eu a sou , mas se parece tanto comigo essa menina.
Me estranhei de repente, não reconheci minha própria sombra, desenhada pela luz no azul sujo da minha parede.

Mundo Novo

Fui Cortada das minhas raízes
Virada do avesso pelo mundo
Tragada com ódio pela vida impune
Regurgitada dolorosamente para a realidade
Fui Jogada no chão em um Domingo às três horas

Perdi meu espaço na memória da terra
Vagueei soturna pela escuridão do esquecimento
Tomei posição diante dos fatos
Bati a cabeça na parede de sonhos
Fiquei de pé para ouvir o silêncio
Me retirei sem deixar endereço
Não deixei vestígios no mundo com a intenção de não ser achada

Não me procuraram.

Hospício familiar I

Ele disse: Vai pro seu quarto agora!
E ela respondeu: Porque?
A resposta foi dura: Porque eu não quero mais olhar pra sua cara
A dela também foi, estridente ela gritou com lágrimas nos olhos: Eu te odeio!

Inércia

Ando desligada, com o cérebro dormente
Não tenho desejos nem vontades

Amor inexistente

Te quero meu e me quero sua completamente. Me deleito em seu corpo e vivo. Desejo a explosão do gozo, a sincronia em luz. Te quero como tudo. Isso é o início.

Por você, acho que posso me apaixonar. Seria simples e bonito o nosso amor. Te quero meu. E assim você gostaria de mim também.

Porrada

Ontem eu tinha vontade de escrever sobre as sensações
“ Sou toda azul
Estou quente de sol
E atordoada de mar”
Mas agora existe sangue nos meus lábios
É sobre o que se trata a vida, sangue
Porrada de mãe, frustrações
Não me perguntaram se eu queria nascer
“A vida é assim”
A vida é o que eu faço dela, não sou passiva à vida

Não quero ser velha.

Alto

Minhas entranhas pegam fogo, mas não há ninguém na janela.
Quero girar no espaço infinito, sentir a quentura do sol, quero que as cores ofusquem meus olhos
Quero gritar a agonia
Minhas órbitas reviradas, tudo do avesso, jogar-me para o vácuo
E que no vácuo, nada se encontre, tudo seja ilusão
No silêncio absoluto ,deixaria me consumir inteira por mim mesma, seria, por um dia todo, contado por todos os seus relógios, a pureza.
Pare, pare tudo
Me afoguem na piscina, em um dia verde cheio de amor
Se pudessem me dizer que habito o mundo, bastaria. Alguém me dê provas da minha existência!
As ruas estariam vazias, e então, poderia voar.
Porque não existem mais palavras?
Eu ardo por dentro, sou só.
Quero que me deixem andar pela terra, e então, me farei gente.
Botarei um terno, partirei às onze. Como quiseres.
Os olhos cheios d’água, dor lancinante cheia de adjetivos insuficientes.
Me rasgaria para essa gente, me jogaria de cima, quem entenderia?
Passaria, antes de me estraçalhar no chão, a acreditar em deus.

O inevitável fim de uma vida dada

Surdez. Enigmáticos homens, supersticiosa gente, mulheres feias.
Não vejo os pássaros escuros sobrevoando a minha cabeça – imunda.
Felicidade cega, limas da pérsia em um dia de verão.
Acabou a energia elétrica, curto circuito cerebral.
Ausência de idéias, prevalecer de dor, universo cheio de cores.
Só ouço o silêncio. A boca seca cheia de carne pinga sangue.
Os livros empoeirados não falam, respiro fumaça e a sobriedade se esvai, sai como catarro do corpo em tosses doloridas.
Assisti ao meu próprio parto enquanto caia da terra para o céu- constantemente-
A coleção de objetos de porcelana enfileirados como na fila de presidiários do corredor da morte.
Cadeira fria, sala branca cheia de homens uniformizados. Luz penetrante, pupilas dilatadas. –vieram me ver, disse o homem. Sim, todos estavam lá para vê-lo. Sua mãe não. Engoliu, na tentativa de limpar-se, toda a água sanitária.
Dúvida. Valeu a pena? Sim, valeu. É disso que a vida se trata afinal de contas, não ter arrependimento no final. Campainha um, curta. Campainha dois, aceleração dos batimentos cardíacos, falta de ar, suor gelado. Campainha três, infinidade de alucinações. Esclarecimento. E se tivesse sido assim? E assado? Me arrependi? Não. Então que seja.
De repente: o nada. Puxar das alavancas, anonimato.
O espasmo muscular quase imperceptível, olhar arregalado, boca aberta fez arrancar dos olhos da mulher com guarda chuva florido, na primeira fileira, uma única lágrima do olho esquerdo.

Guardanapo de pano

Hoje eu levantei como de costume
Sai sem tomar café
Sem escovar os dentes
E sem ler o jornal

Hoje eu sai livre pela rua
Não dei bom dia ao carteiro
Não atravessei na faixa de pedestre

Hoje eu entrei pela porta da saída
Não usei as regras de etiqueta
Eu comi no chão

Hoje eu não passei o pé no tapete de boas vindas
Não perguntei as horas
Eu fumei nos lugares fechados

Hoje o céu estava azul
E ao olhar para o céu, não havia horizonte

Foi hoje
Hoje não pedi permissão
Não ajudei o velho a travessar a rua
Eu andei na contramão da avenida principal

Hoje eu sai livre de casa
Não tranquei a porta
Não pedi desculpas
Fui espancada pela multidão.

Delírio de objeto

Aqui no meio dessa gente só há o vazio.
Sinto meu corpo humano, que, uma vez, já habitou o ventre.
Ilusão. Não vejo os ângulos de noventa graus dispostos em todos os cantos e não reconheço as paredes. Sou de ponta cabeça. Não encontro sentido nem direção. Aqui tudo roda. Gira, gira, gira, leve e momentâneo, tudo devagar quase parando. Mas nunca para.
Número incontável de estrelas: posição fetal.
Não quero leis gravitacionais. Eu só vejo o cair.
Delírios de objeto, coisa magnífica. Quero me olhar de longe e me afogar na minha própria imagem.
Sinto o barato do mundo.

Alegoria ao Carnaval

Queria dizer ao mundo o tamanho da minha felicidade
Que é tão grande que não cabe em meu peito e tão pura que cintila em sete cores
Não sei se foi o mar, ou as pedras brandas, a natureza verde em toda a sua excelência
Foi o sol que me fez assim, os pés tocando o cascalho, o sangue que rasga ao tocar da cracas, os barcos simples, as canoas rasas
Vai ver foi o correr das crianças, o cair do coco, os sorrisos abertos ou carnaval colorido que desponta só na lembrança
Vai ver, mais ainda foram os carinhos contidos que desabrocharam em flor branca e o calor reprimido que explode quando o sol desponta,.
Foi, foi isso sim, a água doce mais a salgada que ao deslizar pela boca fez nascer o sentido de apreciar coisas raras.
Amo enfim, completa e absolutamente amo, tudo além do horizonte.