sexta-feira, 18 de maio de 2012

Fim de maio

Que estranha sou. O sol amarelo do fim de tarde ainda arde em mim. Não sei o que me procura e o que procuro eu. Busco um eterno pôr do sol. E já se vai mais um mês de maio. O fim do sol dói em mim como faca. Sou feliz. E o mundo é tão grande. Quero me fazer do tamanho desse mundo que não cabe em mim, Que não é palpável, mas que amo. Agora já é tudo rosa e eu permaneço na janela. Nunca deixarei a janela, mesmo que ela me deixe. Sou só. Mas o céu é tão bonito.

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Sono

Impedida pela língua, calo-me em mim.
E lembro dos olhos tristes daquele João tão antigo.
Tenho olhos de criança.
Porque sem poder me expressar, vejo.
E aqui dentro,olha, toca em mim João: sinta.
Estou diferente.
Não sei bem como, mas que não sou a mesma d'antes não o sou.
Que será que acontece em nós?
É que é tudo tão bonito.
E eu era tão pequena.
E o mundo, ah sim, enorme era aquele mundo. Indomável.
Eu já tive medo do mar, sabe?
E hoje, vejo barcos no céu.
Mas que sentido faz tudo isso?
Diria, João, que não faço idéia. Mas faço, compreende?
Eu mentiria pra você. Assim, só por mentir mesmo.
Estou sonolenta e as folhas estão caindo lá fora.
Vou dormir nos braços da terra.
Adeus João.
Não se avexe não. Volte quando quiser. Sabe que é bem vindo.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Conto I

Já era cedo, e às 6h30 da manhã o centro da cidade de São Paulo clareava.
Na Rua São Bento repicavam imponentes os sinos sobre aquela gente trabalhadora e infeliz, que parecia acompanhar com os passos aquela música sombria.
Os pombos, com ar soberbo, todos empoleirados sobre os prédios altos observavam o início do movimento sem fim.

Dentro da padaria, o sotaque nordestino dos novos paulistas saltava aos ouvidos e só se ouvia sobre o jogo de futebol da noite passada. Todos preparavam-se para um novo dia, ouvia-se na chapa quente a manteiga derretida, os ovos fritos, o tilintar dos copos, o suco de laranja sendo feito, começava a sinfonia do reinício . Era uma orgia de cheiros bem conhecidos daquele povo, era o café, as frutas frescas, queijo, bolo de fubá, perfume, fritura, leite quente, urina, fumaça de caminhão.

No 14° andar de um dos grandes prédios comerciais, ao se ficar bem quieto e ao aguçar os ouvidos, percebia-se o farfalhar da cidade desabrochando como flor carnívora, pronta para devorar aquele que estivesse desavisado.

A rua, rapidamente, já tomava outro aspecto, havia gente em todo canto, e com os camelôs a postos, começava aquela gritaria, o barulho rápido dos sapatos, a faladeira contida, o desgosto escancarado, o ódio latente. As lojas abriam e via-se o colorido sujo das peças baratas em exposição, algumas pessoas já fuçavam violentamente os balaios, outras se prensavam dentro dos elevadores e se esbarravam ferozmente a caminho do metrô.

E agora, estavam todos atordoados com o peso daquele dia que sempre se renova e estavam todos mais velhos do que ontem. O vagão acolhia toda aquela gente fria, sóbria, mesquinha, que nem se olhava na cara, incapazes de reconhecer o próprio irmão.Todos os homens se amontoavam, um por cima do outro, engalfinhando-se, visivelmente incomodados, um respirando o ar do outro, sentindo-se invadidos, mexendo os braços, as pernas, acomodando-se, todos a procura de melhor conforto. Deixavam o vagão irados, sem nem parar para sentir o alívio do movimento livre.

No Tatuapé, ao subir a rua Tuiuti, a poluição fétida do trânsito já lento competia com a fumaça dos cigarros, fumados freneticamente, passando de mão em mão.

Na escola de ensino a longa distância, o silêncio era total. Os alunos nervosos, todos preocupados com a resultado final, estalavam os lábios, mexiam sem parar os lápis, resignavam-se com aquilo tudo. As provas amassadas eram as únicas ruidosas, pareciam anunciar as respostas em cochicho. Ninguém olhava para a rua e entre as quatro paredes brancas, não era possível imaginar que o mundo girava lá fora.


Ao meio dia, o sol escaldante nas costas, com a luz queimando os olhos aquela gente não era mais humana. Eram todos suados, famintos e cansados do dia que mal havia começado. A movimentação não parava, cada um indo para o seu canto, o destino escolhido a cada instante, todos nas mãos de Deus.
Saindo dos vagões do trem, na muvuca, se formava, como um feto mal gerado, a multidão insólita do cotidiano. Olhando pra toda aquela gente, era incômodo acreditar que existe individualidade.

domingo, 15 de agosto de 2010

Não ando conseguindo estabelecer um mísero pensamento válido
O que acontece, é que eu ando tão feliz!

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Finalmente, sim!

Eu prometo crescer a cada dia, todos eles, mesmo nos feriados.
Prometo, juro de pé junto, ir além, sempre além daquilo que me cerca e nunca somar pra mais, mas somar pra melhor, melhor todos os dias restantes da minha vida.
Eu darei atenção a cada detalhe como Vinícius a cada um de seus grandes amores.
Eu subirei alto, ultrapassando os limites da razão e tudo será beleza, gratidão, alegria.
Alegria tão espontânea, tão grande, tão espaçosa que preencherá todos os cantos de todas as salas e de cada instrumento e de cada pessoa e ninguém mais cantará à tristeza, porque será tudo felicidade, tudo brilho nos olhos, tudo entrega, tudo orgasmo.
Enfim, completa, de todas as maneiras, ampla, pacífica e livre!
Eu vou sair pelo mundo, clara, leve, cândida, vou cantar por aí, me farei ser ouvida, porque quem canta, meus queridos, os males espanta!

domingo, 25 de julho de 2010

Alta vive

No pícaro dos pícaros
Maior do que todos os homens
Mais alta que a terra
Sobre a abóboda do céu
Abrangendo a amplidão do universo
Além do infinito
Através dos eflúvios nasais
Sou inteira
Me fundo com o espaço, dissipo-me, enfim livre do físico
Completa, imensa, pura, em forma de som.

sábado, 17 de julho de 2010

Vou-me Embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei

Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive

E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada

Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada

Manuel Bandeira